Em dezembro de 2023, foi publicada a lei 14.790/23 sobre as apostas esportivas nas modalidades física e eletrônica. Trata-se de uma reação ao grande número de empresas de apostas que vêm divulgando suas atividades aos consumidores brasileiros em meios digitais, publicidade e até por meio de influenciadores – o que recentemente atraiu a atenção da mídia e das autoridades.
Sob o enfoque do direito do consumidor, além de requisitos específicos para a constituição das empresas em território nacional, obtenção de autorização para divulgar as apostas e criação de um serviço de atendimento ao apostador, a lei prevê requisitos importantes para o cumprimento do direito à informação e publicidade das apostas, na mesma linha de alguns direitos já previstos no CDC e no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do CONAR.
Segundo a lei, são direitos básicos dos apostadores a informação e a orientação adequadas e claras acerca das regras e das formas de utilização de ambientes, equipamentos, sistemas, canais eletrônicos das apostas, além de condições e requisitos para acerto de prognóstico lotérico e recebimento de prêmio. Fica vedada a utilização de escrita dúbia, abreviada ou genérica na efetivação da aposta, além de exigir a informação e a orientação adequadas e claras quanto aos riscos de perda dos valores apostados e aos transtornos de jogo patológico e a proteção dos dados pessoais conforme o disposto na LGPD. A lei determina ainda que os canais eletrônicos e os estabelecimentos físicos, quando autorizados, deverão exibir, em local de fácil visualização, as principais informações da empresa, como razão social, inscrição no CNPJ e informações de atendimento ao consumidor.
Porém, o grande destaque da nova lei está nas diretrizes de promoção das casas de apostas. As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação. No entanto, deverão ser observadas minimamente algumas exigências para proteger os consumidores mais vulneráveis: as casas de apostas deverão fazer avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios, promover ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas, e a destinação da publicidade e da propaganda das apostas somente ao público adulto.
Com o objetivo de possibilitar que as autoridades tenham maior controle sobre os meios e os locais de divulgação das apostas, a lei diz que, entre outras determinações, e’ vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular propaganda que tenha por finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados que não possuam prévia autorização.
Também fica proibido que veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de vencer ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar; apresentar a aposta como socialmente atraente ou com afirmações de personalidades conhecidas que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social. Não é igualmente permitido sugerir ou dar margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento , promover ações de marketing em escolas e universidades ou divulgar apostas esportivas dirigidas a menores de idade. Essas diretrizes previstas na nova lei visam garantir informações claras e precisas sobre a natureza dessas empresas, na tentativa de evitar riscos para o patrimônio dos consumidores apostadores.
O próprio CONAR, em decorrência da publicação da lei, editou um novo anexo ao seu Código de Autorregulamentação da Publicidade Brasileira, apontando como regra geral que “por tratar-se da divulgação de serviços com restrições e impróprios para determinados públicos, as publicidades de apostas deverão ser estruturadas de maneira socialmente responsável. Ficam vedados os estímulos ao exagero ou ao jogo irresponsável. Deverão ter especial atenção à necessidade de serem protegidas crianças, adolescentes e outros grupos em situação de vulnerabilidade”.
Em caso de não observância dos dispositivos da legislação, poderão ser aplicáveis, dentre outras, as penalidades de advertência, multa no valor de até 2 bilhões de reais, suspensão total ou parcial de atividades, cassação de autorização para operar as apostas esportivas, proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação e proibição de participar em licitações. Por conta dessas penalidades, podemos esperar maior atenção por parte dos fornecedores desse tipo de serviço no Brasil, ainda mais em ambiente virtual.
Com o auxílio do anexo adicional ao Código do CONAR, a lei é um ponto de partida essencial para regulamentar as apostas esportivas e proteger os consumidores apostadores, que merecem uma especial atenção do poder público por suas vulnerabilidades e pelos riscos de terem o patrimônio dilacerado. Ainda que existam pontos de melhoria a serem discutidos – entre eles o detalhamento de quais são as ações informativas de prevenção do transtorno do jogo patológico a serem implementadas pelas empresas – a nova lei é um importante marco por trazer um mínimo de segurança jurídica para esse grupo.
Por Alexandre Salomão Jabra que é Associado da área de Meio Ambiente, Consumidor e Sustentabilidade do escritório Trench Rossi Watanabe.
Publicação original: https://www.migalhas.com.br/depeso/408955/a-protecao-dos-consumidores-na-nova-lei-de-apostas-esportivas